Para
se compreender a relação entre o Eu e o Outro na perspectiva walloniana, é
necessário compreender alguns aspectos centrais da teoria psicogenética de
Wallon. A primeira delas é a concepção dialética do desenvolvimento psicológico
da criança:
Contrário à linearidade, Wallon transita
entre os temas que aborda discorrendo sobre os campos e as funcionalidades da
dinâmica do desenvolvimento da criança em coerência com as contradições e
sobreposições que a caracterizam. (GRANDINO, in ALFANDÉRY, 2010, p. 33)
Segundo
Wallon, a criança passa por estágios em que se operam mudanças na sua evolução
psicológica. Os estágios elencados por Wallon estão discriminados no quadro a
seguir:
QUADRO DOS ESTÁGIOS DE WALLON[1]
Estágio 1
|
Impulsivo
(1 a)
Emocional
(1 b)
|
0 a 3
meses
3
meses a 1 ano
|
Estágio 2
|
Sensório-motor
(2 a)
Projetivo
(2 b)
|
1 ano
a 18 meses
3
anos
|
Estágio 3
|
Personalismo
·
Crise de oposição
·
Idade da graça
·
Imitação
|
3 a 6
anos
3 a 4
anos
4 a 5
anos
5 a 6
anos
|
Estágio 4
|
Categorial
|
6 a
11 anos
|
Estágio 5
|
Adolescência
|
a
partir de 11 anos
|
Na
perspectiva dialética de Wallon, para cada um dos estágios, há um movimento de
rupturas e sobreposições, cujo mecanismo que embasa esse movimento são as
alternâncias funcionais, isto é:
(...) o surgimento de uma nova etapa do
desenvolvimento implica na incorporação dinâmica das condições anteriores,
ampliando-as e ressignificando-as. A criança atravessa diferentes estágios que
oscilam entre momentos de maior interiorização e outros mais voltados para o
exterior, (...) (ALFANDÉRY in GRANDINO, 2010, p. 33)
As
implicações da teoria psicogenética de Wallon para a constituição do sujeito se
apegam, a priori, à formação de uma sociabilidade sincrética, que se dá a
partir do momento em que a criança inicia os primeiros movimentos reflexos que
resultam numa ação interpretativa do outro a esses movimentos, ou seja, a cada
movimento da criança uma função simbólica está sendo externada e, por sua vez,
cabe ao outro compreender e dar significado a esse movimento de busca. Esse
sincretismo ocorre a partir do momento em que há uma fusão da criança com os
objetos e nas próprias situações familiares em que a criança está inserida. Por
isso tratar-se de uma sociabilidade sicrética, pois:
Com o segundo
semestre, chega o período no qual as reações frente ao outro vão atingir sua
máxima frequência. (...) Ao se multiplicarem, os gestos de preensão contribuem
para essa efusão contínua da criança sobre outrem. (...) A sensibilidade social
da criança constitui, portanto, um fator essencial nessa idade. Durante os
primeiros meses, ela podia parecer comprometida por suas necessidades orgânicas.
Durante o segundo semestre, a sensibilidade social emerge delas, como algo
específico. (WALLON, 1995, p. 232-233)
Outra
questão que engloba o pensamento walloniano, e corrobora a sociabilidade
sincrética descrita acima, diz respeito ao fato de que as condições orgânicas
do ser humano, colocam-no à disposição para interagir com os meios físico e
social. A evolução orgânica subsidia a relação que o indivíduo terá com o outro
e com a sociedade. Assim sendo, para Wallon, há uma reciprocidade e complementariedade
entre o social e o orgânico.
Um
outro aspecto a ser salientado, são os domínios funcionais que determinam esse
processo dialético entre o meio social e orgânico. Para Wallon (2007), “os
domínios funcionais entre os quais se vai distribuir o estudo das etapas que a
criança percorre serão portanto os da afetividade, do ato motor, do
conhecimento e da pessoa.”
Os domínios
funcionais que se estendem entre as reações puramente afetivas e as da pessoa
moral são aqueles que estão voltados para realidades exteriores: realidades
presentes e atuais ou realidades ausentes ou imaginadas. (WALLON, 2007, p. 113)
Cada
elemento dos domínios funcionais são indissociáveis entre si e alternando-se a
sua predominância ao longo do desenvolvimento psicológico do ser humano. O
ponto de partida para essa construção psicogenética é o ato mortor. Contudo, o
fator preponderante que interliga cada um dos domínios funcionais é a afetividade.
A emoção para Wallon é fundamental para se compreender os processos
transformadores da psicogênese humana, de modo que:
Na psicogenética de
Henri Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto sob o ponto de
vista da construção da pessoa quanto do conhecimento. (...) A sua teoria da
emoção, extremamente original, tem uma nítida inspiração darwinista: ela é
vista como o instrumento de sobrevivência típico da espécie humana, que se
caracteriza pela escassez da prole e pelo prolongado período de dependência.
(DANTAS, 1992, p.85)
É
de acordo com esse arcabouço teórico, elucidado acima, é que se sustentará a
analise da relação do Eu e do Outro na teoria de Wallon. Uma relação dialética,
aberta, pautada por domínios funcionais e, acima de tudo, baseada numa forte
influência da afetividade na evolução psicológica do ser humano.
[1] Modelo de quadro extraído do livro:
WALLON,
Henri. A Evolução Psicológica da Criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Referências Bibliográficas:
GRATIOT-ALFANDÉRY,
Hélène. Henri Wallon. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
TAILLE,
Yves de la; OLIVEIRA, Marta Kohl; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São
Paulo: Sumus, 1922.
WALLON, Henri. A evolução psicológica na criança. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
_____________.
As origens do caráter na criança. São
Paulo: Nova Alexandria, 1995.
_____________.
Psicologia e educação na infância.
Lisboa: Editorial Estampa, 1975.
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