OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO EM FREUD

 

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IMAGEM: Sigmund Freud, Etching by Ferdinand Schmutzer 1926

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo foi pensado a partir da questão central dos processos de identificação do sujeito em Freud e a influência destes, no processo educativo. Essa proposta de trabalho vem ao encontro de um questionamento comum à contemporaneidade: a formação do sujeito, enquanto indivíduo inserido num contexto de grandes e intensas mudanças sociais.

Para explicar esse processo de formação do sujeito, foi-se necessário encontrar um ponto de partida; e, esse ponto de partida foi encontrado em Freud, pois se trata de um pensador submergiu nas profundezas do consciente e do inconsciente para compreender o indivíduo. Após essa escolha, delineou-se uma outra etapa para a construção deste projeto: a partir da leitura de algumas obras de Sigmund Freud, analisar alguns conceitos e relacioná-los aos processos de identificação do sujeito.

Freud um sujeito da contemporaneidade forjado em fins do século XIX e início do século XX, confunde-se com a própria teoria. Um sujeito influenciado, em especial, pela cultura austríaca; um sujeito cuja origem judia não abdicou; um sujeito atormentado pelo passado familiar; um sujeito a do seu tempo, influenciado pelas mudanças constantes que mundo vivenciou ao longo do final do século XIX e as primeiras décadas do século XX; enfim, um sujeito que revolucionou o pensamento moderno.

OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO EM FREUD: UM OLHAR SOBRE UMA TEORIA PUNJANTE

 

Freud foi um pensador que trouxe à tona uma série de questionamentos sobre a constituição do sujeito. A sua teoria abalou as estruturas do pensamento moderno, sendo rejeitada num primeiro momento, porém, tornando-se fundamental para a construção de um novo campo de saber: a Psicanálise. Como pensador da cultura, Freud notabilizou-se por uma teoria consistente no qual a formação psíquica do sujeito é influenciada pelos caracteres da cultura:

Freud, ao discutir a estrutura psíquica crivada pela cultura possibilita apreender os mecanismos de singularização que se criam e recriam em determinadas particularidades históricas, e ao investigar a vida psíquica considerando os processos de internalização, dispõe a possibilidade de apreender a relação indivíduo e sociedade na sua concretude, porque amplia e complexifica essa relação e permite avançar para além do objetivismo mecânico e do subjetivismo idealista. (BITTAR, pág. 14, 2006)

 

Neste sentido, pensar o sujeito na perspectiva de Freud, é pensá-lo como um elemento inserido num contexto histórico. Inclusive, algumas de suas obras são fortemente influenciadas pelo momento histórico,

 

A experiência da guerra e da violência de que são capazes os membros da “civilização mais evoluída”, bem como o desmoronamento dos impérios centrais e as dificuldades da sobrevivência na Áustria do pós-guerra, transformada em palco das lutas políticas mais acirradas, não deixam de imprimir sua marca no pensamento de Freud. Os comentadores são unânimes em considerar que, com Além do princípio do prazer, tem lugar uma viragem decisiva na evolução de suas ideias; a data de composição dessa obra – 1919 – sugere que os fenômenos sociais de que é testemunha seu autor não são indiferentes à gênese dessa inflexão. (MEZAN, pág. 479, 2006)

 

O momento em que Freud faz essas ponderações são referentes à Primeira Guerra Mundial que marca a primeira grande ruptura no início do século XX. A eclosão de uma guerra de cunho global foi decisivo para uma mudança nas condições culturais até então existentes. Uma guerra que marcou profundamente a Europa – o epicentro da guerra – e deixou marcas profundas no sujeito que vivenciou tal período. O ano de 1914, o início desta guerra mundial, gerou um contraste extremamente contundente,

 

Para os que cresceram antes de 1914, o contraste foi tão impressionante que muitos – inclusive a geração dos pais deste historiador, ou pelo menos de seus membros centro-europeus – se recusaram a ver qualquer continuidade com o passado. “Paz” significava “antes de 1914”: depois disso veio algo que não mais merecia esse nome. (HOBSBAWN, pág. 29, 1995)

 

Numa época em que se tem ascensão de líderes políticos que instigaram as massas e transformaram-se num elemento comum no ambiente Europeu – vide Adolf Hitler que ascendeu politicamente por meio da manipulação das massas com as suas ideias nacional-socialistas de extrema direita – Freud, influenciado pela circunstância histórica, vai escrever Psicologia das mas e análise do ego (1921), donde Freud destaca:

Mas à atenção de Freud não escapa o fenômeno, relativamente novo na época, que será designado como “a multidão”, e que representa de fato a manipulação das massas humanas pela demagogia política; já em 1921, Psicologia das massas e análise do ego procura elucidar o que torna diversos indivíduos um grupo e quais são as razões que explicam o comportamento da pessoa faz parte de uma “massa”. (MEZAN, pág. 480, 2006)

Isso corrobora a ideia que ninguém vive à margem da cultura a que pertence (MEZAN, 2006), nem mesmo um indivíduo como Freud. Tal compreensão determina uma concepção no qual há um abismo entre o indivíduo e o social e “que não pode ser transposto pela mera constatação de que certos fenômenos se verificam num e noutro plano” (MEZAN, pág. 482, 2006). Essa marca do pensamento de Freud, é fundamental para compreender os processos de identificação do sujeito.

Diante dessa diferença que se impõe entre o indivíduo e o social-histórico, Freud optará por um caminho (...): o de supor que entre indivíduo e o social vige uma analogia, e que tal analogia é ampla e fundada o suficiente para permitir a transposição de categorias forjadas no primeiro para elucidar processos ocorrentes no segundo. (MEZAN, pág. 482, 2006)

Destacando os aspectos entre o sujeito e o social-histórico, Freud analisa a questão da liberdade individual ao longo da evolução cultural. Essa análise propicia uma ideia clara sobre como se dá essa transposição de categorias acima destaca.

A liberdade individual não é um bem cultural. Ela era maior antes de qualquer civilização, mas geralmente era sem valor, porque o indivíduo mal tinha condição de defendê-la. Graças à evolução cultural ela experimenta restrições, e a justiça pede que ninguém escape a elas. Aquilo que numa comunidade humana se faz sentir como impulso à liberdade pode ser revolta contra uma injustiça presente, e assim tornar-se propício a uma maior evolução cultural, permanecendo compatível com a civilização. Mas também pode vir dos restos da personalidade original, não domada pela civilização, e desse modo tornar-se fundamento da hostilidade à civilização.(FREUD, pág. 38, 2011)

 

Essa linha tênue entre o individual e o social faz do sujeito um elemento em constante conflito, o que será fundante para a constituição dos processos de identificação deste sujeito. Assim sendo, outro aspecto que contribui para a constituição desses processos de identificação é o princípio do prazer, no qual o indivíduo é levado a sentir o prazer que a civilização dispõe. Porém, o objetivo da análise de Freud ao analisar o princípio do prazer é levar a compreender o conceito de pulsão de morte.

O princípio do prazer deriva do princípio da constância; na realidade o princípio da constância foi deduzido dos fatos que nos impuseram a hipótese do princípio do prazer.(...) Mas devemos assinalar que, a rigor, não é correto dizer que o princípio do prazer domina o curso dos processos psíquicos. Se assim fosse, a grande maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada de prazer ou conduzir ao prazer, quando a experiência geral contradiz energicamente essa ilação. O que pode então suceder é que haja na psique uma forte tendência ao princípio do prazer, à qual se opõem determinadas forças ou constelações, de modo que o resultado final nem sempre corresponde à tendência ao prazer. (FREUD, pág. 123, 2011)

 

Tanto o princípio do prazer como a pulsão de morte tratam-se de dois conceitos centrais relativos ao sujeito e a sua relação com o social. Em si mesmas, são dois processos psíquicos que influenciam fortemente nos processos de identificação do sujeito. A par desses dois conceitos, há que se considerar um outro conceito primordial da teoria de Freud que é o de repressão e que baliza a análise dos processos de identificação em Freud.

A repressão é, portanto, o mecanismo que possibilita a internalização dos preceitos sociais e da moralidade, condição da vida social e da cultura. A civilização se constitui e se mantém às custas das regulamentações e ordenação das relações entre os homens. Ao discutir o desenvolvimento psíquico e a cultura, Freud aponta a repressão das pulsões como condição de existência e como elemento fundante de ambos. Nesse sentido, os mecanismos de repressão são cruciais para a compreensão da relação indivíduo e sociedade, pois possibilidade de existência tanto do próprio indivíduo quanto do outro. (BITTAR, pág. 46, UFG)

 

A repressão é um condicionamento social e cultural que o sujeito é submetido, nessas condições vão ocorrendo os processos de identificação. A cada ato repressor da sociedade existe um processo de identificação intrínseco a estes atos repressores. O próprio Freud, na sua Autobiografia (2011), destaca como os aparelhos repressores da civilização tentaram submetê-lo e o próprio numa situação de sujeito negado o seu pertencimento à comunidade nacional austríaca, rechaçou qualquer possibilidade de negar a sua origem judia. Ou seja, está embutido, nesse exemplo, tanto ato repressor da sociedade quanto o processo de identificação que Freud possui para com a sua origem religiosa.

A universidade, que passei a frequentar em 1873, trouxe-me inicialmente algumas claras decepções. Deparei com a insinuação de que eu deveria me sentir inferior e estrangeiro por ser judeu. Rejeitei decididamente o primeiro adjetivo. Nunca pude compreender por que deveria me envergonhar de minha origem — ou raça, como as pessoas começavam a dizer. Quanto ao pertencimento à comunidade nacional, que me era negado, a ele abdiquei sem muito lamentar. (FREUD, pág. 68, 2011)

 

A civilização, deste modo, torna-se o marco regulatório da vida do indivíduo que se vê a todo momento decidindo-se por reprimir as suas pulsões ou não adequar-se às repressões impostas pela sociedade.

 

Se as relações sociais reguladas instauram a civilização e marcam as restrições quanto à satisfação pulsional, o conflito entre as demandas do indivíduo e as exigências impostas pela civilização é recíproco e solidário a esse procedimento, pois a garantia da manutenção da cultura é o investimento psíquico por parte de cada indivíduo frente à exigência da repressão das pulsões. (BITTAR, 47, 2006)

 

Por sua vez, a questão da socialização do sujeito é um outro aspecto analisado por Freud e que possui ressonância nos processos de identificação do sujeito. Partido do pressuposto de que a vida psíquica do sujeito é determinada ao mesmo tempo de “dentro” e de “fora”, pela dinâmica pulsional e pelas relações sociais em que esta se insere (MEZAN, 2006). Segundo Freud, na sua obra Psicologia das Massas e análise do eu (2011), assim analisa a problemática da psicologia social e individual, que desembocará numa assertiva na qual o sujeito se relaciona com os demais para satisfazer as pulsões.

 

A oposição entre psicologia individual e psicologia social ou das massas,* que à primeira vista pode parecer muito significativa, perde boa parte de sua agudeza se a examinamos mais detidamente. É certo que a psicologia individual se dirige ao ser humano particular, investigando os caminhos pelos quais ele busca obter a satisfação de seus impulsos instintuais, mas ela raramente, apenas em condições excepcionais, pode abstrair das relações deste ser particular com os outros indivíduos. Na vida psíquica do ser individual, o Outro é via de regra considerado enquanto modelo, objeto, auxiliador e adversário, e portanto a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado, mas inteiramente justificado. (FREUD, pág. 10, 2011)

Portanto, quanto se trata da relação do sujeito com o outro, Freud coloca esse outro como um “modelo”, “objeto”, “auxiliador” e “adversário”, ou seja, um outro que trará significado, que será, a priori, um elemento constitutivo do sujeito e que influenciará fortemente os processos de identificação deste sujeito. Para Freud (2011), nas mencionadas relações com os pais e irmãos, com a amada, o amigo, o professor e o médico, o indivíduo sempre sofre a influência de apenas uma pessoa, ou um número mínimo delas, cada uma das quais adquiriu para ele significação extraordinária.

 

CONCLUSÃO

 

Após esse conjunto de análises, depreende-se que os processos de identificação do sujeito está intrínseco ao arcabouço teórico constituído por Freud. Em alguns dos principais conceitos, analisado neste artigo, verifica-se que há uma correlação entre estes conceitos e os processos de identificação do sujeito.

Contudo, trata-se de uma leitura incipiente das obras e dos conceitos de Freud, pois ainda há muito a ser explorado para se constituir, de forma mais incisiva, a teia completa que levará uma análise mais profunda sobre como os conceitos de Freud estão relacionados aos processos de identificação do sujeito.

Todavia, não se esgotam as análises referentes aos processos de identificação do sujeito. Cabe, ainda, uma análise mais profunda sobre a forma como esse processo de identificação do sujeito é determinado pelo indivíduo e pela sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Mona. Indivíduo e Sociedade – a fertilidade da teoria de Freud na contemporaneidade. Goiânia, UFG, 2006. Tese de doutorado.

FREUD, Sigmund. O mal estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos (1930-1936). Volume XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

_______________. O eu e o id, autobiografia e outros textos (1923-1925). Volume XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

_______________. Psicologia das massas, análise do eu e outros textos (1920-1923). Volume XV. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

MEZAN, Renato. Freud, pensador da cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

 

 

Comentários

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